quinta-feira, 14 de março de 2013

O que É Perfeito não Precisa de Nada

Sim, talvez tenham razão. 
Talvez em cada coisa uma coisa oculta more, 
Mas essa coisa oculta é a mesma 
Que a coisa sem ser oculta. 

Na planta, na árvore, na flor 
(Em tudo que vive sem fala 
E é uma consciência e não o com que se faz uma consciência), 
No bosque que não é árvores mas bosque, 
Total das árvores sem soma, 
Mora uma ninfa, a vida exterior por dentro 
Que lhes dá a vida; 
Que floresce com o florescer deles 
E é verde no seu verdor. 

No animal e no homem entra. 
Vive por fora por dentro 
É um já dentro por fora, 
Dizem os filósofos que isto é a alma 
Mas não é a alma: é o próprio animal ou homem 
Da maneira como existe. 

E penso que talvez haja entes 
Em que as duas coisas coincidam 
E tenham o mesmo tamanho. 

E que estes entes serão os deuses, 
Que existem porque assim é que completamente se existe, 
Que não morrem porque são iguais a si mesmos, 
Que podem mentir porque não têm divisão [?] 
Entre quem são e quem são, 
E talvez não nos amem, nem nos queiram, nem nos apareçam 
Porque o que é perfeito não precisa de nada. 

Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos" 
Heterónimo de Fernando Pessoa

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